quarta-feira, 25 de março de 2009

Feios, sujos e malvados


por Adriana Facina (UFF/Observatório da Indústria Cultural)





Se vocês estão a fim de prender o ladrão
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho

Só porque moro no morro
A minha miséria a vocês despertou
A verdade é que vivo com fome
Nunca roubei ninguém, sou um trabalhador
Se há um assalto à banco
Como não podem prender o poderoso chefão
Aí os jornais vêm logo dizendo que aqui no morro só mora ladrão

Se vocês estão a fim de prender o ladrão
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho

Falar a verdade é crime
Porém eu assumo o que vou dizer
Como posso ser ladrão
Se eu não tenho nem o que comer
Não tenho curso superior
Nem o meu nome eu sei assinar
Onde foi se viu um pobre favelado
Com passaporte pra poder roubar

Se vocês estão a fim de prender o ladrão
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho

No morro ninguém tem mansão
Nem casa de campo pra veranear
Nem iate pra passeios marítimos
E nem avião particular
Somos vítimas de uma sociedade
Famigerada e cheia de malícias
No morro ninguém tem milhões de dólares
Depositados nos bancos da Suíça

Se vocês estão a fim de prender o ladrão
Podem voltar pelo mesmo caminho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho
O ladrão está escondido lá embaixo
Atrás da gravata e do colarinho
(Vítimas da sociedade – Crioulo Doido e Bezerra da Silva)


A recente cobertura da grande mídia sobre as favelas cariocas têm me chamado atenção. Pauta obrigatória e diária, as favelas aparecem ora como ameaça ecológica, ora como alvo de políticas públicas que são consideradas bem sucedidas e, nesta semana, como focos da violência que se expande pelo asfalto e assusta os moradores de bairros tradicionais da Zona Sul. Em todas as notícias, muitas mentiras são continuamente reiteradas, demonstrando, ao mesmo tempo, uma intenção ideológica clara de criminalizar a população favelada e defender soluções coercitivas para seu controle (vide as ocupações policiais do Dona Marta e da Cidade de Deus), bem como um olhar de classe média que informa a cobertura jornalística. Os repórteres e editores possuem um estranhamento tão profundo em relação ao mundo dessas populações que raramente aguçam ouvidos e olhos para perceber essas realidades sob outros ângulos. Desse modo, vários clichês são repetidos como verdades inquestionáveis.



A própria idéia de crime organizado deve ser vista com cuidado. Se existe crime organizado, certamente ele não está nas favelas. As facções são baseadas em alianças frágeis, muito dependentes do perfil dos “donos do morro”, autoridades sempre mais ou menos efêmeras que ditam as regras e definem o ambiente das comunidades. De acordo com isso, uma mesma favela pode ter um clima mais neurótico ou mais tranqüilo. Outros fatores também entram aí, como a ameaça de invasão policial ou miliciana ou mesmo de outra facção. Mesmo dentro de um mesmo comando, há rivalidades e invasões por grupos rivais em geral são gestados dentro do próprio grupo que está no comando da favela invadida, por aqueles que são considerados “traíras”. Estes são movidos pela ambição de tomar o lugar do chefe. Essa instabilidade demonstra que o crime dentro das favelas está longe de ser organizado, ainda que existam hierarquias, regras, condutas que estruturam esses coletivos.



Organizada é a chegada da droga nas favelas. Recentemente, foi veiculado na imprensa que uma mesma oranização vende a droga para facções rivais do Rio. Essas drogas chegam em fluxo contínuo e mesmo em períodos de “guerra” continuam a ser vendidas. Ao argumento de que o crime realmente organizado está fora das favelas, já que nelas não se produzem entorpecentes e nem armas, se responde com a denúncia da existência de um suposto laboratório de refino de cocaína na Rocinha, o que os moradores da localidade negam, e que na própria mídia aparece como sendo um local onde se mistura cocaína pura a farinha ou outras substâncias para ampliar os lucros de quem a vende. “Malhar” cocaína é bem diferente de refiná-la, processo complicado que, ao que parece, não é a especialidade brasileira na divisão do trabalho que apóia o comércio internacional da substância.



Organizada é a venda das armas que vão parar nas mãos daqueles que são responsáveis pelo varejo da droga. O arsenal que qualquer um que entra nas favelas onde há venda de drogas pode ver chega em parte pelas mãos das próprias forças estatais. Não são poucas as histórias de seqüestro de fuzis, com pedido de resgate para devolvê-los, feitos por aqueles que se dizem ao lado da lei. Organizada também é a produção dessas armas e a sua distribuição pelo mundo. Nenhuma das grandes armas que se vêm nas favelas: AR-15s, AKs, G3, etc são produzidas no Brasil. São empresas multinacionais, totalmente legalizadas, que fabricam essas armas massivamente, independentemente de seus países estarem ou não em guerra. Essas armas são fabricadas sem controle, em uma quantidade que, para tornar sua comercialização lucrativa, precisa de grandes e pequenas guerras sendo fomentadas cotidianamente no mundo. Nossa “guerra particular” é fundamental nisso e o proibicionismo em relação à venda e consumo de drogas é um combustível essencial. Mais armas pros comerciantes, mais armas para o Estado combater os comerciantes. Dinheiro que poderia ser investido na saúde, educação, cultura, emprego para de fato combater as causas da violência. Hoje o que se gasta para combater o comércio e o consumo das substâncias proibidas é mais do que se gastaria em saúde pública para tratar os drogadictos caso seu uso fosse liberado.



Organizada também é a entrada do dinheiro ilegal do tráfico internacional de drogas e armas no sistema financeiro. Os bancos, instituições financeiras do mundo “legal”, recebem esse dinheiro e ajudam assim a limpá-lo, permitindo que ele vá alimentar legalidades e ilegalidades que são parte de uma mesma coisa sob o capitalismo financeirizado. Dito de outra maneira, não é possível existir tráfico de drogas, seja o grande tráfico internacional seja o varejo das favelas, sem a conivência das instituições financeiras.



Isso demonstra o quanto é falsa e mistificadora a culpabilização dos usuários de drogas pela violência gerada pela presença e uso de armas de grosso calibre por toda a cidade. O consumo de maconha, por exemplo, é histórico entre as camadas populares de nossa cidade, compondo estilos de vida e assumindo sentidos culturais negados pelo proibicionismo. Quanto à classe média, tal consumo se difundiu sobretudo no esteio da contracultura, a princípio como contestação à sociedade de consumo e depois adquirindo novos significados, mas sempre com algum resquício de rebeldia. No caso dos chamados viciados, sobretudo em pó e crack, são pessoas que merecem tratamento, pois são portadores de uma doença que deve ser vista como problema de saúde pública e não como resultado de falhas de caráter. Dizer que esses são os vilões que estão por trás dos muitos tiros que foram trocados na esquina da Toneleiros com Santa Clara é uma maneira confortável de simplificar as coisas, desresponsabilizar o Estado e sua fracassada política de combate ao crime e obscurecer a importância daqueles que verdadeiramente lucram com essas “guerras” que aumentam a venda de armas e jornais.



Algumas perguntas ficam sem respostas. Por que, por exemplo se elegem as favelas como o palco do combate ao comércio de drogas? Todos sabem que o comércio e consumo de substâncias ilegais correm soltos em boates freqüentados pela classe média e classe média alta carioca e no entanto não existem registros de “operações” realizadas nessas localidades. Nem em condomínios de luxo onde se consomem drogas e que também invadem áreas de mata atlântica, poluem lagoas e mares numa escala muito mais ameaçadora do que os barracos das favelas. Por que os inimigos da sociedade foram eleitos entre aqueles para quem o comércio varejista de drogas é emprego, é alternativa de uma vida sem muitas alternativas? A grande maioria dos jovens que hoje empunham as armas nas favelas não têm acesso à educação de qualidade, à saúde, ao emprego digno, à equipamentos culturais públicos ou privados ( muitos jamais foram ao cinema, por exemplo). São esses os inimigos da sociedade?



Em meio a essas reflexões, lembrei de uma frase de Bertolt Brecht: “Aquele que desconhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e a chama de mentira é um criminoso.” Brechtianamente, cabe perguntar: De quantos crimes cotidianos é feito o combate ao crime no Rio de Janeiro?

3 comentários:

Iadanza disse...

Concordo com tudo isso...sabemos onde estão os ladrões, onde estão corruptos, os safados, os mentirosos e afortunados ...mas e daí?
Sabemos de tudo isso e muito mais...vivemos nisso! mas, e daí?
Estamos aqui na certeza de modificar essa "Parada" doida que não se modifica..mas e dái?
O salário não aumentou, policial surtou, professou apanhou, e eu e você? "sacou"? mas e daí?
VAMOS À MERDA? agora sim! falei.

disse...

podem voltar pelo memso caminho. gostei.
tenho assistido tv nos últimos dias. tv paga. acho realmente engraçadamente interessante o ponto de vista que querem colocar em nossas cabeças.

Anônimo disse...

Olhe a realidade do nosso país e responda:

Onde estão os verdadeiros bandidos?


Onde a policia protege e onde a policia mata?


Onde a policia é cão de guarda e onde ela executa a função de juiz e carrasco?


Onde a polícia serve como proteção e onde ela perpetra terror e assassinatos?


Onde é propriedade de um capitão-PM e atual “nobre” deputado?


Onde é propriedade de outros ladrões não menos “nobres” e onde o povo é assassinado e tratado como bandido?

Castelo na cidade de São João Nepomuceno, em Minas Gerais, avaliado em R$ 58 milhões de reais, uma das propriedades do capitão-PM (atualmente na reserva) e deputado Edmar Batista Moreira, que fez fortuna às custas das negociatas e roubo dos empregados das empresas de segurança que ele montou. O ex-capitão criou uma oligarquia, um filho é deputado estadual em Minas, o outro é delegado de policia, a irmã é prefeita da cidade de São João Nepomuceno, etc. O castelo tem mais dezoito anos, foi palco de muitas festas e vários bacanais, mas só agora foi exposto na imprensa devido a disputas de poder dentro do corrupto e podre Estado brasileiro.
Esse é apenas um caso. Os imperialistas, grandes burgueses e latifundiários do Brasil se esbaldam em outros castelos, mansões, ilhas particulares, etc., enquanto os pobres não tem onde morar e os moradores de favelas são tratados à bala por essa mesma policia que o ladrão e bandido Edmar Moreira faz parte.


Favela de “Paraisópolis”, invadida e ocupada desde o dia 2/2 pela policia, onde PM assassinou morador e tortura jovens; lado a lado com a opulência do bairro do Morumbi, em São Paulo; onde moram correligionários de Edmar Moreira e outros verdadeiros bandidos.

Tropa da elite é usada para defender os bandidos ricos, milionários, grandes empresários, políticos e para assassinar pobres. Incursões policiais e assassinatos à sangue frio são perpetrados cotidianamente pelas hordas policiais à serviço da burguesia, latifúndio e grupos imperialistas que dominam o podre Estado brasileiro.

TODO O PRODUTO DE QUEM SUA,


A CORJA RICA O RECOLHEU,


QUERENDO QUE NOS RESTITUA,


O POVO QUER SÓ O QUE É SEU!!!

Uma das ilhas particulares do clã Roberto Marinho-Rede Globo,
em Angra dos Reis – RJ.

Um dos hotéis do grupo Silvio Santos, em Guarujá, São Paulo

Mansão na rua Gália, no Morumbi, do ex-dono do Banco Santos, Edemar Cid Ferreira.

Mansão na Europa que pertenceu ao banqueiro Edmond Safra


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