“Eu faço parte de um grupo de pessoas que não fazem escolhas óbvias
Enquanto a maioria quer o que é modinha, nós queremos o que dá vontade
Enquanto a maioria vai onde todo mundo vai, a gente vai onde é mais bacana
Se você também tem uma cabeça diferente, deve dirigir o mesmo carro que eu
Ford Focus: Nada nele é óbvio. – FORD: VIVA O NOVO”
Enquanto a maioria quer o que é modinha, nós queremos o que dá vontade
Enquanto a maioria vai onde todo mundo vai, a gente vai onde é mais bacana
Se você também tem uma cabeça diferente, deve dirigir o mesmo carro que eu
Ford Focus: Nada nele é óbvio. – FORD: VIVA O NOVO”
E haja cabeça diferente para tanto carro igual. Algo que seria interessante de se comentar nesse anúncio de carro é sua atualidade. É claro que ele trata de alguns aspectos clássicos do mundo moderno-urbano-industrial-capitalista, como o paradoxo da produção em massa de indivíduos, da massificação de subjetividades, da reificação acompanhada da individuação, e da atividade que se revela não no trabalho, ou na criação livre mas sim no consumo; em uma só expressão, da atividade que se realiza como passividade. Uma tensão dialética que talvez se resolva com uma superação. Isso tudo é passível de ser tratado, mas todas essas questões são típicas do capitalismo desde sua afirmação de maneira mais impositiva e sistemática do XIX em diante. Seria pouco proveitoso e talvez forçado associar esse anúncio enquanto proposta de um projeto de vida e de sociedade a tudo que o capitalismo foi nos últimos 200 anos, e não a aquilo que ele tem sido nas últimas décadas em momento de transição cada vez mais acelerada.
É verdade também que o capitalismo causou muito impacto em pensadores e aristas no século XIX, e até a primeira metade do século XX, com a criação da sociedade de massas. Mas o que nos foi legado como instrumental para ler o atual fenômeno é pouco útil. O que temos de tomar emprestado deles é o espanto diante do mundo que muda e nos mirar no esforço que todos fizeram para capturar num lampejo a essência dessas transformações. Repito a ressalva antes de começar: o que os pensadores críticos do passado têm a nos oferecer é o espanto e o ímpeto crítico-analítico diante do espanto, é a postura e a atitude, o resto necessita urgentemente de atualização.
A primeira coisa que me chamou a atenção no comercial foi o apelo pela diferença, pela distinção, pela experiência de uma individualidade única como liberdade. Ora, já aí percebemos uma virada no capitalismo que em vez de tentar disponibilizar o privilégio do consumo para as massas, uniformizando e normatizando este mesmo consumo, aqui, trata de afirmar não a norma e a uniformidade e sim a peculiaridade, o específico, o individual, o diferente. O que é vendido não é apenas um produto, mas um estilo de vida específico de determinado grupo de pessoas que tem como principal característica a diferenciação do resto, este sim uniformizado, óbvio e quadrado. É claro que os “diferentes” precisam deste resto homogeneizado para se afirmar como diferentes. Talvez por isso o anúncio seja tão interessante, justamente por marcar no campo simbólico, a passagem do capitalismo da norma, ainda necessário, para a afirmação do capitalismo da diferença: um nasce do outro e ao se opor estão intimamente e contraditoriamente ligados.
Uma reflexão despertada em mim em um curso que fiz uns semestres atrás me ajuda a ler esse anúncio. No estágio pós-moderno o desenquadramento das identidades com a dissolução da nação, da família, do bairro, dos laços classistas entre os trabalhadores antes reunidos na contigüidade espacial da fábrica e hoje separados pela continuidade do espaço virtual e pela acumulação flexível gera a produção de outras identidades baseadas, por exemplo, no consumo. Isso tem algo a ver com o carro compondo o estilo de vida e a identidade de quem é diferente de todo o resto. Ao mesmo tempo as antigas formas de constituição de identidades e de práticas no mundo: a nação, a família, o trabalho, a comunidade do bairro nos parecem um pouco normativas e quadradas demais. Criam-se pois novos grupos, e novos nichos identitários, que tem no consumo e no discurso da diferença com algumas variações a argamassa de sua identidade. Como dito anteriormente os novos estilos de vida são mais ou menos situados através da forma como se veste, dos produtos que se consome, da música que se ouve, e de um discurso que determina o corte em relação aos outros grupos. Talvez o maior desafio seja conciliar o modo de fazer industrial (normatizante por excelência) com essa nova emergência de identidades específicas.
A produção normatizada não satisfaz os pequenos nichos identitários criados, é necessário criar, dentro de uma estrutura industrial produtos específicos e personalizados para grupos cada vez mais pulverizados. Ou você elimina o modo de fazer industrial e corre risco de cometer o pecado de comprometer o lucro, ou você reestrutura a indústria e cria um pensamento que não vê mais no mundo a uniformidade e padronização industrial. E faz anúncios com esse pensamento atribuindo essa uniformidade arcaica, aos outros, consumidores de segundo calão, por que não tem o Ford Focus, por que não fazem parte de nosso grupo de identidade. A foto é um comentário sobre essa contradição.
A saída para o impasse “mundo capitalista-industrial” X “múltiplas e diversas identidades”, se realiza como dito anteriormente no consumo, mas este é apenas um lado da situação. O outro é a criação de discursos e de estratégias para suprimir a contradição entre a massificação e a diferença. Criar um capitalismo da diferença é um malabarismo bem complicado e é claro que para fazê-lo é necessário recorrer a técnica; a produção eficiente e controlada, matematizável se possível, e que possa ser reduzida a termos lógico-formais. Isso explica em parte todo o investimento em publicidade, propaganda e marketing e outros aparelhos ideológicos geridos pela técnica, mas não explica tudo. Algo importante a ser considerado é que os produtores desse discurso, apesar de sua associação com a técnica partem de uma outra consciência sobre a realidade: é a consciência autêntica de quem acredita, produz e reproduz o discurso da diferença. Os publicitários que bolaram o anúncio do Focus são provavelmente os “diferentes” que consomem o Focus, e quando qualquer sombra de desconfiança do absurdo que espreita os assalta provavelmente eles reagem com cinismo ou com a consciência tranqüila de que qualquer saída do capitalismo é um beco sem saída como as experiências socialistas puderam comprovar.
Esse discurso e essa nova consciência devem ser o foco do estudo no anúncio, principalmente em suas complexas inter-relações com o mundo industrial, que é o mundo da técnica. Entendo como complexas inter-relações as relações dialéticas, em outras palavras, não apenas como o mundo da técnica e da indústria determina as consciências, mas como o contrário também ocorre e é importante de ser estudado. Estas consciências não devem ser entendidas como alucinação coletiva de uma multidão de alienados que nada tem a ver com mundo real da economia capitalista e da produção industrial massificante, mas antes devemos estudar como essa nova forma de consciência cria novas técnicas e novas formas de organização do mundo empresarial e industrial. Não me espantaria se eu descobrisse que as grandes cabeças dos movimentos de contestação à ordem e ao capitalismo das décadas de 60-70 são os professores destes publicitários, ou que compõem a bibliografia dos seus cursos universitários inserindo novos discursos e um novo pensamento nas novas profissões, estejam elas ligadas a “formação de opinião” ou não.
Enfim essa é apenas uma primeira aproximação. Existe algo no Ford Focus que realmente não é óbvio, parafraseando o anúncio. Dizer que tudo nele é óbvio seria uma saída tão pouco dialética quanto o discurso do anúncio que diz que “nada nele é óbvio”. Esse texto partiu da intenção de uma abordagem dialética da cultura criada pelo capitalismo superior para se auto-sustentar e se reinventar, e espero que tenha alcançado de maneira razoável seu objetivo.
O link do Anúncio: http://www.youtube.com/watch?v=cjT45k28H04
Leonardo Leitão (UFF/Observatório da Indústria Cultural)
Larissa Costard (UFF/Observatório da Indústria Cultural)
7 comentários:
Acho que ainda existe muito a dizer sobre esse discurso metido na diferença.
Acho que o mundo fagocitou esse discurso de aparência (criado pela idéia publicitária) sem por um minuto associá-la a sua experiência. Pelo menos no Rio de Janeiro, todo mundo passa por esses milhões de carros, né não?
ótimo texto e esta resposta estética foi altamente criativa!
achei esse texto uma bosta, como todos no blog, crítica de marxista recalcado...
Boa crítica em amigo?
Cheia de argumento
Tá bom se você quer argumento lá vamos nós. Em primeiro lugar quem escreveu aquele texto horrível não sabe nada de publicidade, o merketing é feito de idéias, idéias que consigam conectar o público consumidor ao produto. O anúncio é muito bem sucedido porque consegue ressaltar uma característica do produto, a diferença no design, na performance do carro, o motor flex e propô-la como diferença para o público: faça a diferença, tenha um carro diferente. É uma das melhores peças de marketing que eu já vi, mas vcs nunca entenderiam isso por que o marketing trata de idéias e da sensibilidade das pessoas à elas e não de indústria produção economia e essas coisas a que segundo vocês o mundo pode ser reduzido. Esse texto é um fiasco e a propaganda um sucesso, isso é um fato, por quê vocês não conseguem ver essas coisas óbvias?
é putz, num colou mesmo, nem com debate falso deu pra chamar gente... hehehe
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